segunda-feira, maio 18, 2009

proibições inconstitucionais dos POOC para autocaravanas, parecer juridico


Nota: O presente parecer foi elaborado para o gabinete de estudos da Newslleter pelo jurisconsulto que o assina, (e que já anteriormente susbcrevera o documento do direito ao autocaravanismo) e foi colocado graciosamente à disposição dos senhores deputados da Assembleia da República que subscreveram um projecto de Lei sobre o Autocaravanismo, ja divulgado nesta Newsletter. A sua divulgação é permitida, total ou parcialmente com apenas a indicação da fonte e da autoria

Não podem os POOC proibir as autocaravanas
de estacionar, junto às praias durante a noite.

Não se diga que as questões dos autocaravanistas só interessam a um punhado de pessoas excêntricas. Para quem legisla, para quem governa, para quem administra, para quem julga, eles são titulares do mesmo direito de cidadania que qualquer outro segmento da população.

A satisfação das suas necessidades, dos seus interesses particulares ou difusos, a disciplina do seus direitos, o estatuto dos seus deveres é de interesse e ordem pública, e portanto um assunto de Estado, como o é a solução legsilativa, governativa e administrativa ou judicial, de qualquer interesse colectivo legítimo.

Hoje, em Portugal já há consenso que o Autocaravanismo integra o sector turístico do touring, que movimenta anualmente entre nacionais e estrangeiros cerca de 100.000 pessoas, e que estas concorrem activamente de forma positiva para a economia nacional corrigindo positivamente a sazonalidade e as assimetrias da procura regional e ainda fomentam o desenvolvimento do comércio de proximidade. Todo o ano, e ao longo de todo o País. E com impacte sócio económico relevante

Alguns autocaravanistas procuram naturalmente, o litoral. E aqui chocam-se com ditames dos POOC, porque estes, aprovados por resoluções do Conselho de Ministros determinam com frequência que é proibida nos parques de praia o estacionamento nocturno de autocaravanas (entre as 24h e as 8h) nos locais abrangidos pelos POOC, os tais planos de ordenamento das orlas costeiras.

Tomemos o exemplo (igual a qualquer outro similar) do REGULAMENTO DO PLANO DE ORDENAMENTO DA ORLA COSTEIRA (POOC) SINTRA-SADO, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 86/2003, publicada em 25 de Junho mas aprovada em 3 de Junho.

Desde logo um pergunta qual o território abrangido?

È que segundo o preâmbulo:
O troço de costa compreendido entre Sintra e a foz do rio Sado, numa extensão total de 120 km, apresenta uma diversidade paisagística e ambiental notável, alternando zonas de falésias rochosas com extensos areais, arribas fósseis com lagoas costeiras, zonas densamente humanizadas com paisagens que mantêm intactas as suas características naturais.
Por outro lado, continua o preâmbulo:
Por outro lado, para a diversidade deste troço da costa contribuem, para além do Parque Natural de Sintra-Cascais, do Parque Natural da Arrábida e da Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa e Costa da Caparica, outras áreas sujeitas a um especial estatuto…

Ora de acordo agora já com o articulado da Resolução citada, o art. 1º determina que:
………………………………
2-O POOC aplica-se à área identificada na respectiva planta de síntese, abrangendo parte dos concelhos de Sintra, Cascais, Almada, Sesimbra e Setúbal.
3 — Excluem-se da área de intervenção do POOC as áreas sob jurisdição portuária, nos termos da lei.

Assim este intricado emaranhado jurídico torna de difícil leitura alguns dos comandos normativos do diploma governativo como por exemplo, a própria definição de área de estacionamento como segue:
Art. 4º Definições
…..
m) Área de estacionamento — área definida para estacionamento e servida por acesso viário, com as características exigidas em função da classificação da praia e das características do meio onde se insere;

De seguida é importante anotar algumas das actividades proibidas em geral e nestas não se conta o Autocaravanismo itinerante, ou touring, em que o veiculo autocaravana, apenas estaciona em parques de estacionamento públicos, à semelhança das demais viaturas ligeiras, não incorrendo na pratica nem de campismo nem de caravanismo.

De facto, como veiculo, se não ultrapassar os limites do seu lugar de estacionamento, nem o perímetro da viatura, não incorre naquelas actividades.

Assim o autocaravanismo não está proibido nos termos do artº 9º C) do POOC em causa….

De facto,o art. 9º, enumera as actividades interditas na área de intervenção do POOC em apreço, mas só se encontra interdita a prática de campismo e caravanismo fora dos locais destinados para esse efeito. Ou seja, o autocaravanismo itinerante não é o mesmo que autocaravanismo estático, que esse sim poderá ser assumido como campismo quer porque a peramanência no mesmolocal seja superior a 24 ou 72h (nos termos da maioria da legislação e doutrina europeia), quer porque,mesmos eduração inferior, se excede o perimetro da viatura no local de estacionamento

Porém, no capítulo Praias, a situação é diferente e à semelhança de outros POOC pode ler-se:

Artigo 51º
Actividades interditas
Para além do disposto no artigo 9.o, no nº 1 do artigo 20º e no nº 5 do artigo 25º, nas praias são ainda interditas as seguintes actividades:
………………………………….
b) Permanência de autocaravanas ou similares nos parques e zonas de estacionamento entre as 0 e as 8 horas;
………………………..
g) Estacionamento de veículos fora dos limites dos parques de estacionamento e das zonas expressamente demarcadas para esse fim;

Ora quanto aos veículos ligeiros, a disposição é diferente, ou seja não existe o limite do estacionamento nocturno (pernoita) possível entre as 24h ou 0h e as 8h, sem que se atinja os objectivos e a fundamentação dessa discriminação:

Porque pode o veiculo não autocaravana, (ou similar) ficar estacionado entre as 0h e as 8h, por exemplo um furgão, uma qualquer outra viatura não qualificada como autocaravana, até com pessoas a dormir no seu interior, sem sanitários, sem condições higieno-sanitárias, mas numa autocaravana em que essas condições existem, tal não é permitido?

Sendo ainda mais claro:
Interpretando corectamente este normativo, conclui-se que as autocaravanas ou similares podem estacionar nos parques e zonas de estacionamento (desde que estejam dentro dos limites dos parques e das zonas expressamente demarcadas para esse fim conforme dispõe a alínea h)) apenas fora do horário previsto na alínea b), estando apenas proibidas de estacionar nesses mesmos locais entre as 0 e as 8horas.

Trata-se pois de uma discriminação desporporcionada, injusta e infundamentada, pois nada se refere quanto aos veículos ligeiros, uma vez que para estes não consta qualquer norma que limita o estacionamento nocturno entre as 0 e as 8 horas, ou mesmo nas restantes horas não mencionadas do dia.

Quer isto dizer que importa verificar se há legalidade nessa discriminação dentro da própria economia do diploma. Ora, nos termos do art. 25 nº 4º da Resolução do CM, é que se fixam os objectivos de defesa das praias, logo as interdições tem que ser consentâneas e apropriadas para se atingir aqueles objectivos…senão são impróprias, ilegítimas e ipso facto ilegais: Vejamos então:

Art. 25º
……
4 — Os condicionamentos a que estão sujeitas as praias marítimas têm por objectivos:
a) A protecção da integridade biofísica do espaço;
b) A garantia da liberdade de utilização destes espaços, em igualdade de condições para todos os utentes;
c) A compatibilização de usos;
d) A garantia de segurança e conforto de utilização das praias pelos utentes.

Não se vislumbra em que aliena do art. 25 nº 4º a proibição do estacionamento de autocaravanas e similares entre as 0h e as 8h concorre para o preenchimento dos objectivos legais.

Mais ainda, se é permitido o estacionamento diurno (horário mais concorrido nas praias) até mesmo depois do por do sol, até às 24h, das autocaravanas, isto é, fora do horário estabelecido, então questiona-se abertamente:

- porque é foi determinado que a interdição abrange apenas as 0 e as 8 horas! Ou os objectivos do nº 4 do art. 25º só são passíveis de serem cumpridos fora do horário previsto!!!

Pelo contrario entendemos que a conjugação das alienas b) e g) do art. 51º viola frontalmente o objectivo do art. 25º nº4º b) pois estabelece uma discriminação e cria condições de desigualdade entre os utentes autocaravanistas e os utentes automobilistas. Logo, o art. 25º nº 4º b) é ilegal por violação do art. 25º nº4º b). E face à Constituição da República é mesmo inconstitucional por violação do principio da não discriminação, por violação do principio da igualdade do art. 13º e art. 266º nº2 da CRP.

Na realidade, a situação de disciplina, se necessária do estacionamento de autocaravanas, apenas necessita de definição da lotação dos lugares que lhes sejam reservados, uma limitação temporal do estacionamento de modo a assegurar a rotatividade do uso do estacionamento por outros utentes e ainda, eventualmente uma maior fiscalização do comportamento dos autocaravanistas que prevariquem, relativamente a outros ditames preventivos da defesa da orla costeira.

Ou seja não podem estar em causa autocaravanas que são veículos, mas sim comportamentos imputáveis a pessoas concretas. Repete-se: Ou seja, o que está em causa são os comportamentos imputáveis a pessoas concretas, e não o horário de estacionamento das autocaravanas, pois Também não se vislumbra que a proibição do estacionamento das autocaravanas apenas no horário em questão possa contribuir para o preenchimento dos objectivos legais acima transcritos.



Nestes termos suscitam-se as seguintes reflexões:

1º) A restrição aos direitos fundamentais de circulação e estacionamento, bem como de usufruto da própria propriedade poderá ser e estabelecida em resolução do Conselho de Ministros, sem prévia existência de uma lei habilitante dimanada da Assembleia da Republica? A resposta tem de ser negativa num Estado de Direito.

2º) As restrições dos direitos dos autocaravanistas de forma discriminatória face aos demais automobilistas, não violará o principio do art.18º da Constituição, porque não se limitam ao necessário para salvaguardar outros direitos ou ingresses constitucionalmente protegidos? A resposta só pode ser sim, há violação da Constituição

3º) Serão pois ilegais e inconstitucionais tais restrições previstas no art. 51º nº 4 b) da Resolução do conselho de Ministros nº 86/2003, em apreço.

4º) E sendo ilegais, nos termos do artº3º nº3º da Constituição, a Resolução do Conselho de Ministros, (e todas as demais suas congéneres) nesta parte, carece de força jurídica para ser aplicada,

5º) Assim sendo, a declaração dessa inconstitucionalidade não deverá ser solicitada em petição as autoridades competentes, incluindo à Assembleia da República, ao Governo e ao Provedor de Justiça, senão também ao Procurador-geral da Republica? Claro que sim, indubitavelmente.
6) Por outro lado, a situação descrita é inconstitucional pormais de um motive:

a) por violar um dos princípios fundamentais consagrados na nossa Constituição da República e que se encontra previsto no art. 13º, conjugado com o nº 2 do art. 266º, e artº 18º todos da CRP.

b) Na realidade, o art. 13º CRP contempla que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”, e “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de (…)”

c) também, como resulta do nº 2 do art. 266º da CRP “Os órgãos e agentes da administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.”.

d) As restrições aos autocaravanistas pressupõem, igualmente, a violação do art. 18º da CRP, na medida em que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previsto na Constituição, devendo as restrições limitarem-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Conclusão:

O nosso parecer vai no sentido, salvo melhor opinião, que de facto as disposições postas em crise são irremediavelmente ilegais e inconstitucionais, não vinculam pois os seus destinatários sejam autoridades municipais, cidadãos ou entidades policiais, sendo todavia conveniente, senão mesmo indispensável, e urgente o desenvolvimento de todas as medidas necessárias à impugnação e reparação jurídico institucional desta situação ofensiva dos direitos dos cidadãos discriminados.

Como ficou demonstrado, em face do exposto, entende-se, salvo melhor opinião, que a al. b) do art. 51º é ilegal e inconstitucional por força da violação, respectivamente, do nº 4 do art. 25º do POOC Sintra-Sado e dos arts. 3º, 13º, e 18º da CRP, sendo indispensável o desenvolvimento das diligências necessárias que tal é expressamente admitido nos termos da própria lei artº7ºdo Decreto-lei nº 380/99, de 22 de Setembro, que se transcreve pedagógicamente:

Artigo 7º.
Garantias dos particulares
1 — No âmbito dos instrumentos de gestão territorial são reconhecidas aos interessados as garantias geraisdos administrados previstas no Código do ProcedimentoAdministrativo e no regime de participação procedimental,
nomeadamente:
a) O direito de acção popular;
b) O direito de apresentação de queixa ao Provedor
de Justiça;
c) O direito de apresentação de queixa ao Ministério
Público.
2 — No âmbito dos planos municipais de ordenamentodo território e dos planos especiais de ordenamentodo território é ainda reconhecido aos particulareso direito de promover a sua impugnação directa.

Luis Nandin de Carvalho,

Doutor pela Universidade de Montpellier I (França)
Lisboa, 25 de Abril de 2009

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