As Viagens do Ulisses
Para alguns algarvios Monchique é a Sintra do Algarve… Alguma razão têm, pois Monchique, cascata de casas brancas, está implantada no meio do verde luxuriante da serra. Mas é um local com personalidade. As suas ruas estreitas e íngremes não permitem o trânsito da nossa unidade de turismo itinerante. É a pé que calcorreamos as suas ruas sinuosas e empinadas de casario mal tratado, no geral, e muito abandonado. Confrangedor. De resto é um casario em que pontuam casas de algum gabarito, o que é um regalo para os olhos. Tem uma igreja matriz muito digna de se visitar. O seu portal manuelino é raro. No interior destaca-se uma capela recoberta a azulejos que um iluminado assentou a eito, sem ordem, formando um quadro lastimável. Digno de ver é a paisagem que, de qualquer lado desta terra altaneira, se pode apreciar.
Apesar do esforço necessário para vencer a subida, fomos ao Convento de N.ª S.ª do Desterro, que encontramos completamente degradado. Não fosse a panorâmica, que dali se desfruta, seria completa perda de tempo.
Na praça central da vila, estava a funcionar uma nora, de recente instalação, peça decorativa do lugar, que não chega para fazer esquecer a má qualidade do local. Perto, o mercado, muito pequeno, mas com a particularidade de apresentar produtos que – ainda - são produzidos pelos próprios; fomos convencidos, pela apresentação, a carregar com óptimas batatas e laranjas.
Voltamos à EN266 a demandar Santa Clara-a-Velha, a 5 km. Antes de lá chegarmos visitamos a barragem de Sta. Clara, imponente, com uma envolvente de vegetação notável, e junto, verificámos a existência de estalagem do mesmo nome.
A aldeia tem, à entrada, um posto de abastecimento e ao lado um restaurante onde tratamos de matar a fome, mas, antes, aproveitamos para visitar a capelinha, ali mesmo em frente, que estava de portas abertas e nos deixou agradavelmente surpreendidos pela singeleza e brilho dos dourados do altar-mor.
O almoço até foi melhor do que esperado. Outros comensais estavam já ocupados no acto de mastigação e pelo que vimos decidimos pelo bacalhau-à-chefe. Bem decidido. Com vinho tinto, sobremesa doce e café pagamos 19,05 euros.
Seguiu-se uma pequena paragem, na unidade de turismo itinerante, aproveitada para uma leitura transversal do jornal: o medonho que é a vida, agora, nesta país, está ali espelhado, reflexo do que se passa por aí. Há mais que muita gente a falar da crise instalada e já apregoando a revolução que, dizem, está para breve… O cronista de gabarito que é Miguel de Sousa Tavares, a propósito de um artigo do general Garcia Leandro, do Observatório da Segurança, vem desdramatizar a declaração do general de que o país caminha para a revolução: “a explosão social está a chegar. Vão ocorrer movimentos de cidadãos que já não podem aguentar mais o que se passa”, disse o general Garcia Leandro. E Miguel Sousa Tavares enfoca o problema na promiscuidade entre político e privado. Este arrazoado está na boca de muitos: estamos a chegar à rotura, pelos vistos.
Reiniciemos viagem, pois é para arredar da consciência os factos perturbadores do dia-a-dia que a fazemos. A estrada vai levar-nos a São Martinho das Amoreiras, a 21 km, pela N393. De quando em vez atravessamos túneis, entre pinheiros espectaculares, e, de onde em onde, mimosas, exuberantes de mimosas, na berma, para nosso deleite. A povoação aparece-nos no lado esquerdo. Estacionamos. Vencida uma pequena encosta encontramo-nos no Largo Adelino Amaro da Costa – estamos no Baixo Alentejo! Esta personalidade foi membro do CDS, só para que conste. No largo, inclinado, destaca-se a igreja, sem interesse particular, que para se alcançar obriga a vencer uma dúzia de degraus. De resto nada que mereça reparo.
Daí rumamos a Garvão, a 9 km, pela N393. O lugar, de casas baixas, constituído por cinco ruas que confluem para o largo, de onde se parte para o campo de touros e na direcção contrária para a igreja. A igreja possui um portal rico, apreciável. Para lá chegar atravessámos um riacho seco, onde desaguam águas não identificadas, pareceu-nos. Registamos a existência do Grupo Coral Feminino Flores de Maio, numa pequena casa junto da igreja e uma Associação de Festas e Romarias que pelo aspecto da sede já se deixou de festas e romarias há muito.
- Eia! Uma vara de porcos!... Não, são dez ou doze! Ora! Afinal são uns oito… E foi o que vimos neste quilómetros até Odemira!
Chegamos a Odemira com a tarde a cair. A entrada faz-se por uma rua com dois sentidos mas em que quem entra perde a prioridade porque em alguns troços não há lugar para mais de um carro. Chegados à zona do Tribunal, edifício de grande porte, estamos no centro: é tempo de procurar lugar para passar a noite.
Abaixo da rotunda, com o seu monumento “a árvore da sucata”, peça de admirar, junto a um posto de abastecimento, encontra-se o cais, zona ajardinada, na margem do rio Mira. Ali estacionamos. O grasnar dos patos e gansos levou-nos ao passeio junto do rio e a constatar as boas condições pedonais daquela área que, já fim do dia, ainda mantinha movimento de pessoas cirandando. Ao lado do posto de abastecimento há um amplo café, restaurante, pastelaria, tabacaria e por ali nos quedamos apreciando o movimento e confortando o estômago antes de nos recolhermos. Noite fria. Apeteceu aquecer o habitáculo.
Ao acordarmos demo-nos conta de movimento inusitado em volta da nossa unidade de turismo itinerante: eram dezenas de ciclistas que se agrupavam para dali partirem para o seu passeio domingueiro. Não eram só os participantes na prova ciclista, também os familiares de muitos participantes ali estavam em convívio fraternal, como público apoiante da efeméride. Assistimos curiosos e gostamos do que vimos.
Tínhamos lido num outdoor, ali no cais, que no lado norte se podia ver como, no antanho, as populações atravessavam o rio. Fomos a matar a curiosidade, por corredor formado de travessas de madeira assente em estacaria, que borda o rio deste lado, até depois da ponte que une as margens, e vimos como durante quatrocentos anos, as pessoas atravessavam o rio, naquele local. Ainda ali estão os pontos de amarração, numa e noutra margem, e um cartaz com o gráfico exemplificativo de como quer das margens, quer do próprio barco em que se deslocavam gentes e bestas, era possível movimentar o mesmo. Uma novidade. Dali partimos a explorar o centro: ruas apertadas de casario discreto apesar de alguns prédios de traça assinalável, como o da Câmara Municipal. Espaços ajardinados cuidados e limpos. Regressados ao cais percorremo-lo no sentido contrário e fomos encontrar, no final da zona urbanizada, uma praça redonda, em que pontua um “monumento”, que não posso deixar de referir: uns quatro paus quadrados de 15 cm, em L, com 5-6 metros, ligados entre si, ali pespegados, para alindar a praça. Um despautério! É uma tristeza constatarmos que em muitas cidades, vilas e aldeias se exibem grotescos “monumentos” de mau gosto, que chega a ser agressão intelectual aos conterrâneos e visitantes. O poder local, neste particular, é um couto de gente medíocre, mas… com poder e sem vergonha. Coisas destas não se deviam fazer nem a inimigos…
Estamos na primeira semana de Fevereiro e o tempo é de Primavera.. O sol está radiante. O céu azul, a temperatura amena. Preguiçamos um pouco junto do mar. Na margem do lado sul está a nascer uma edificação destinada a restaurante, de dimensões apreciáveis. Mais tarde, no local, verificamos que foram construídos uns passadiços em madeira, para aproximar o acesso à berma da falésia. Parece que chegou aqui uma conformidade qualquer que será preciso respeitar não tarda nada. Os coitados dos visitantes têm de ser protegidos de si mesmos, não vão magoar os pés nas pedras do caminho. Não vão estatelar-se na arriba. Portanto, fiquem entre baias! Nada de descer à praia, por esta banda…
Confirmamos “in loco” o que víramos da praia da Amoreira e é como descrevemos acima. Claro que esta intervenção não nos agrada.
Regressamos depois de usufruirmos do repouso proporcionado pelo panorama que se vislumbra daquele monte sobre a praia da Amoreira: o mar a perder de vista e os montes envolventes vestidos de verde. Um gosto.
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