sexta-feira, julho 10, 2009

O Autocaravanismo nas actas da Assembleia da República da sessão de dia 25 de Junho sobre o projecto 778/X



............................

O Sr. Presidente. Srs. Deputados, vamos retomar a apreciação do projecto de lei n.º 778/X (4.ª) — Cria o regime relativo às condições de circulação, parqueamento e estacionamento de autocaravanas (PSD). Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Macedo.


A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei que o PSD submete hoje à apreciação do Parlamento é marcado por uma margem significativa de ambiguidade em relação aos resultados que produz. Se é certo que este projecto de lei reconhece as especificidades próprias do autocaravanismo que resultam de uma atitude diferenciada deste segmento de actividade de turismo face a outras com as quais tem áreas de cruzamento mas também áreas de distinção, reconhecendo as especificidades desta actividade turística — uma atitude diferenciada, uma atitude própria —, o projecto de lei, na verdade, não vai ao encontro da resolução dos problemas que daí resultam.


O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, peço que criem as condições para a Sr.ª Deputada oradora poder continuar a proferir a sua intervenção. Sr.ª Deputada, pode continuar.
A Sr.ª Alda Macedo (BE): — Obrigada, Sr. Presidente. Retomando o que estava a dizer, se é verdade que se reconhece as especificidades que resultam de uma atitude diante da actividade de lazer que é o turismo, o projecto de lei não vai totalmente ao encontro do que resulta da apreciação dessa especificidade. Assim, parece-nos que é preciso um amadurecimento legislativo que ainda não está presente neste diploma. Devo dizer, Sr. Deputado Mendes Bota, que o proposto no artigo 15.º deste vosso projecto de lei está mal pensado, mal equacionado e acarreta um risco acrescido porque aponta para a necessidade de revisão dos planos de ordenamento da orla costeira (POOC), embora tal necessidade não exista enquanto tal. O que existe é a necessidade de os municípios, do ponto de vista das respectivas opções de ordenamento territorial, integrarem, também aí, uma vertente de resposta às necessidades específicas do autocaravanismo.Prever uma alteração dos referidos planos de ordenamento da forma como está contemplada no artigo 15.º do vosso projecto de lei, quando, na verdade, hoje, o que é preciso é que os mesmos sejam mais rigorosos no sentido da delimitação e da classificação das áreas costeiras, atendendo à gravidade da ameaça que sobre elas impende, decorrente do que são as perspectivas relativamente às alterações climáticas, é um risco face ao que é a necessidade de precaução no que se refere à orla costeira, conforme os diferentes graus de gravidade da ameaça a que está sujeita. Assim, devo dizer que, aparentemente, a intenção é generosa mas resulta mal do ponto de vista do que aqui está consagrado. Portanto, o Bloco de Esquerda não acompanha o PSD neste projecto de lei, reconhecendo, no entanto, a necessidade de um complemento legislativo em matéria de regulação e, sobretudo, de providenciar no sentido de serem garantidas às pessoas ligadas a esta actividade de autocaravanismo infra-estruturas de suporte adequadas às suas necessidades muito específicas. Aplausos do BE.


O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro, para uma intervenção.


O Sr. José Soeiro (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, este projecto de lei tem um preâmbulo que aponta no sentido da valorização de uma forma de turismo que tem vindo a aumentar e que, naturalmente, merece a nossa atenção. O preâmbulo do diploma reconhece esta forma de fazer turismo como amiga do ambiente e valorizadora do comércio de proximidade. Este é um turismo com preocupações ambientais, de mobilidade, o que, aliás, é referido no preâmbulo do diploma em que se diz mesmo que obstar a este tipo de turismo seria contrariar o interesse económico do sector e, portanto, do País. Partilhamos inteiramente este conjunto de considerandos. Se o corpo do diploma correspondesse a esse conjunto de ideias que valorizam uma forma de fazer turismo que todos reconhecemos, não teríamos qualquer dificuldade em apoiar e votar a favor. Acontece que o corpo do diploma vai exactamente no sentido inverso de alguns dos aspectos reconhecidos no preâmbulo. É que enquanto, no preâmbulo, se reconhece que esta forma de fazer turismo pressupõe precisamente a mobilidade quase constante dos seus praticantes, então, não vemos motivo para um conjunto de artigos quase todos limitativos dessa mobilidade. Isto é, o projecto de lei nega o que, no preâmbulo, se reconhece como uma forma natural de fazer turismo. Portanto, parece-nos que há aqui alguma incongruência. De facto, se atentarmos no corpo do diploma, verifica-se que o exercício do autocaravanismo só é permitido de uma certa maneira, só podem permanecer x tempo, têm de sair ao fim de x horas. Parece-nos, pois, muito limitador o que aqui é estabelecido, sobretudo quando se reconhece que, actualmente, o nosso país não tem infra-estruturas em condições de dar resposta a este tipo de turismo e, também, porque a realidade noutros países demonstra que é através da intervenção do poder local que têm sido encontradas as respostas adequadas para o desenvolvimento deste segmento do turismo. Neste sentido, não nos parece adequado procurar responder de forma tão fechada aos desafios que se colocam perante a liberdade de que hoje gozam os autocaravanistas para praticar este tipo de turismo. O Partido Comunista não acompanha, pois, a proposta do PSD e irá votar contra este projecto de lei. Aplausos do PCP.


O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Jorge.


A Sr.ª Isabel Jorge (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O autocaravanismo é uma modalidade que teve o seu início na Europa nos princípios da década de 60, com a adaptação de antigos furgões e autocarros, de forma mais ou menos artesanal, de modo a permitir que, no seu interior, para além de se pernoitar, fosse possível viver — e aqui entende-se a expressão «viver» em sentido lato. Em Portugal, o autocaravanismo tem tido forte incremento e adesão, com uma acentuada melhoria na qualidade dos veículos, no design e na funcionalidade. Estima-se que, em Portugal, esta forma de turismo itinerante rondará os 5000 utilizadores. Compreendemos, assim, a filosofia deste diploma que pretende regulamentar o estacionamento de autocaravanas em zonas urbanas não destinadas especificamente a este fim. Mas, perdoem-me, Srs. Deputados, parafraseando o velho professor que apreciava o trabalho do aluno, também nós dizemos que «este diploma tem ideias boas e ideias originais, só que as boas não são originais e as originais não são boas». Senão, vejamos. As autocaravanas não são senão veículos e as condições de circulação, paragem e estacionamento dos mesmos já se encontram definidas no Código da Estrada. Acresce, ainda, que as condições de estacionamento de veículos nas localidades são competência das autarquias e não deste Parlamento e existe um princípio comummente aceite, que é o princípio geral do direito rodoviário sobre estacionamento na via pública ou equiparada, segundo o qual o estacionamento é permitido a não ser que exista sinalização que o proíba ou restrinja, e não ao invés, como decorre do projecto de lei que estamos a apreciar. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, as incongruências não ficam por aqui. Só a título de exemplo: as portarias conjuntas são sempre aprovadas pelos ministros; a expressão «sinalética» não existe, a expressão do Código da Estrada é «sinalização»; o regulamento de sinalização e as suas alterações competem ao Governo e não à Assembleia da República. Sem mais delongas e do nosso ponto de vista, o actual ordenamento jurídico já contempla todas as alegadas inovações propostas, resultando inequívoco que, neste projecto de lei, mais não se vislumbra senão uma enorme confusão entre «estacionamento», regulado no Código da Estrada, e «acampamento», também regulado em diplomas já aludidos até pelo Sr. Deputado, nomeadamente os Decretos-Lei n.os 39/2008 e 310/2002 e a Portaria n.º 1320/2008, de 17 de Novembro. Assim, e pelo exposto, o Partido Socialista votará contra o projecto de lei n.º 788/X. Aplausos do PS.


O Sr. Mendes Bota (PSD): — Era de esperar!


O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno da Câmara Pereira.


O Sr. Nuno da Câmara Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é só para chamar a atenção e perguntar aos Deputados do PS se, por acaso, sabem qual é a diferença entre uma lesma e um caracol. É, precisamente, a diferença entre a precariedade ou não da segunda habitação e, se calhar, andar com esta «ao colo» e deixá-la para ir fazer um passeio turístico… Há uma grande diferença: o autocaravanismo nada tem a ver com o caravanismo, absolutamente nada! Os parques de campismo nada têm a ver com os parques para autocaravanas. Um caracol nada tem a ver com uma lesma. O caracol transporta a sua casa para todo o lado, a lesma deixou no parque de campismo a sua casca grossa e foi conhecer outras coisas — esta é a diferença. Por outro lado ainda, o que agora propomos seria talvez uma maneira útil de fazer chegar o turismo a zonas recônditas do País que não têm empreendimentos turísticos nem recursos para tal. Se calhar, é uma forma mais expedita de fazer turismo andar com a casca grossa às costas.


O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Abel Baptista.


O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a Sr.ª Deputada Isabel Jorge, do Partido Socialista, deu-nos uma informação extremamente interessante. Disse que o autocaravanismo é importante, até está em crescimento, é uma actividade a considerar mas, apesar de não estar regulamentada, «deixamos estar como está, não vamos fazer nada. Sabemos qual é o problema, mas não actuamos sobre ele».É caso para perguntar, Sr.ª Deputada Isabel Jorge: então, onde está a proposta do Partido Socialista para resolver o problema? O que é que vamos fazer? Como vamos resolver o problema da pernoita? Como vamos resolver o problema de encontrar áreas de serviço para tratar de questões inerentes ao funcionamento e à utilização de autocaravanas — fornecimento de água, despejo de dejectos? Se estas questões não estão regulamentadas, como vamos fazer? Vamos deixar isto ao critério de quem e de que forma? Diz que está regulamentada a questão do estacionamento. Então, por que é que grande parte das autarquias, provavelmente de forma ilegal, proíbe o estacionamento das autocaravanas?


A Sr.ª Isabel Jorge (PS): — É um problema de fiscalização!


O Sr. Abel Baptista (CDS-PP): — Não é um problema de fiscalização, é um problema de legislação, de regulação, e que deveria ser encarado. Lamentamos que o Partido Socialista queira deixar ficar tudo como está, na actual anarquia, sem qualquer resolução, muitas vezes com questões ambientais pelo meio, com procedimentos que são altamente prejudiciais para o ambiente, para os autocaravanistas e para o próprio Estado, que, de forma irresponsável, deixa ficar tudo como está, que é o que o Partido Socialista agora vem propor. Aplausos do CDS-PP.


O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Velosa.


O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, estava a tentar inscrever o Deputado Mendes Bota…


O Sr. Presidente: — Sim, sim, com certeza. E para o Deputado Mendes Bota, 15 segundos são uma eternidade!… Tem a palavra.


O Sr. Mendes Bota (PSD): — Sr. Presidente, é só para dizer à Sr.ª Deputada Alda Macedo que o que pretendemos não é alterar os planos de ordenamento da orla costeira. Pretendemos que haja uma pequena alteração no regulamento, de forma a permitir que nos parqueamentos que estão previstos nos POOC haja, pelo menos, uma área onde as auto-caravanas possam pernoitar, o que é literalmente proibido. Em relação às intervenções do PCP e do Partido Socialista, lamento que tenham feito tantas críticas e não tenham apresentado qualquer proposta construtiva. Sabem que existem problemas, não somos nós que os inventamos, dizendo que a legislação é omissa, são os autocaravanistas e o movimento associativo que o dizem e que requisitam a vontade legislativa deste Parlamento para que haja uma legislação que cubra essas omissões, e os senhores estão contentes com o estado actual, com a forma como são tratados os autocaravanistas, que são escorraçados, pois não há alternativas. Há uma coisa que é certa: não podemos proibir, pura e simplesmente, sem ter uma alternativa e não podemos fechar os olhos ao que se passa lá fora. Em toda a Europa comunitária existe regulamentação, existe legislação e Portugal continua a ser, também aqui, uma infeliz excepção. O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, sempre com uma postura de «cócoras» perante um Governo que, alertado há tempos por esta Assembleia, não tomou as medidas necessárias ao autocaravanismo, pensa que está tudo muito bem. O Código da Estrada resolve tudo!… Mas, digo-vos: os senhores é que estão muito mal! Vozes do PSD: — Muito bem!


O Sr. Presidente: — Está concluído o debate deste projecto de lei e, assim, também a nossa sessão de hoje.

..........................

Sem comentários: